PT/EN

Who does not long for that histrionic branch of the profession that leap like clowns – pathetic yet courageous – off one cliff after another, hoping to fly, flapping with inadequate wings, but enjoying at least the free-fall of pure speculation? Maybe such nostalgia is not merely a longing for the former authority of this profession (no one can seriously believe that architecture has become less authoritarian) but simply for fantasy. It is ironic that in architecture, May ’68 – “under the pavement, beach” – has been translated only into more pavement, less beach. Maybe architects’ fanaticism – a myopia that led them to believe that architecture is not only the vehicle for all that is good, but also the explanation for all that is bad – is not merely a professional deformation but a response to the horror of architecture’s opposite, an instinctive recoil to the void, a fear of nothingness.
Rem Koolhaas, “Imagining Nothingness”, 1985


Quer queiramos quer não, a relação entre arquitectura e política ganhou um novo estatuto com a modernidade. A proclamação de Le Corbusier da dualidade entre “arquitectura ou revolução” dizia, implicitamente, tudo. Isto é, duas opções para a resolução dos problemas das sociedades modernas: uma nova ordem arquitectónica e urbana “ou” a revolução política e social. A solução do ponto de vista do arquitecto franco-suíço, tal como antes se vislumbrara já na cisão entre socialistas utópicos e marxistas e como se viria a institucionalizar depois através dos CIAM e da Bauhaus, era clara: “Podemos evitar a revolução.” Num gesto inaudito na história da disciplina, a Arquitectura assumia a tarefa radical de conduzir os destinos das sociedades. Porém, ao assumirem esse papel político, os arquitectos modernos procuraram ocultá-lo na dimensão “técnica”, por isso objectiva e científica, da disciplina, adoptando uma paradoxal posição prévia aos sistemas políticos. Mas, tal como Argan apontou, “no preciso momento em que se declararam apolíticos, os arquitectos assumiram claramente uma posição política”.
     A arquitectura moderna, seja a de dimensão mais utópica e visionária, seja a da vertente mais reformista e pragmática, seja ainda a de tendência mais revolucionária e realista, teve sempre esse desígnio indizível de transformar o mundo, em cada projecto e a qualquer escala. Como se cada intervenção específica implicasse um determinante momento de verdade. E, na sua essência, isto só poderia ser um verdadeiro acto político. Mesmo perante o facto traumático que ia revelando que o impacto do programa moderno no interior da disciplina era directamente proporcional à irrelevância que este tinha fora dela.
     Somos ainda herdeiros deste programa moderno e da sua concepção afirmativa do arquitecto. É verdade que, entretanto, criticámos as suas ingenuidades sistémicas, relativizámos as suas rupturas absolutas, pluralizámos o seu alcance universal, ironizámos a sua ambição desmedida, etc. Mas as suas determinações continuam a manifestar-se sub-repticiamente nas práticas habituais dos arquitectos: no modo como projectam, na forma como se relacionam com os clientes, na maneira como falam com o público, enfim, na concepção que têm da disciplina. No entanto, essa herança emancipatória confronta-se hoje com uma realidade insustentável, dividida entre um star-system alimentado pelos poderes financeiros e mediáticos e uma massa profissional remetida para a indiferença das lógicas do mercado. A propensão política da disciplina reemerge assim como reacção a um crescente mal-estar e apreensão em relação aos caminhos trilhados pela arquitectura nas últimas décadas.
     É tendo em conta este heróico legado histórico e a fracturada experiência do presente que temos que interpretar a conferência Architecture [in] ]out[ Politics, comissariada por Cláudia Taborda e José Capela para a 2ª Trienal de Arquitectura de Lisboa 2010. Irei delinear uma cartografia dos posicionamentos presentes nas conferências, estabelecendo algumas conexões e derivações disciplinares. Convém lembrar que escrevi anteriormente, na revista Arq./a, Nº90/91, um texto crítico sobre estas conferências, intitulado “Proposições disciplinares entre o delirante e o nostálgico”. Porém, tendo apontado essa possibilidade de leitura, creio não ter sido explicitada com a clareza necessária. Avancemos, portanto, nessa clarificação.
     Estas duas respostas possíveis, a delirante e a nostálgica, não são mais, no meu entender, do que estratégias de negociação crítica com o passado e presente da disciplina. São formas de lidar com a presença moderna e ausência contemporânea da questão política na arquitectura. No entanto, mais do que programas conscientes, vejo-os como reacções inconscientes aos actuais dilemas disciplinares. A resposta nostálgica agarrando-se aos fragmentos salvos do programa moderno contra as pressões desestabilizadoras da realidade contemporânea. A resposta delirante mergulhando no turbilhão da experiência do presente com o lastro disciplinar da emancipação histórica. Apesar de estes posicionamentos nunca serem puros nem absolutos, estas duas atitudes marcaram o desenrolar das conferências, onde cada abordagem ia oscilando entre estes pólos antinómicos, embora assumisse a positividade de um só lado.
     Mas concretizemos, começando pela resposta de orientação mais nostálgica. Em primeiro lugar, a nostalgia da integridade da obra arquitectónica e, consequentemente, do ofício do arquitecto. Desde a ruptura radical do Movimento Moderno que a arquitectura tem procurado incessantemente restabelecer os laços com a sua herança memorial e material. E procurou fazê-lo concentrando-se na especificidade da obra arquitectónica, na investigação da sua linguagem e da sua relação com o contexto físico. Desde logo, ficou evidente que esta perspectiva é dominante no nosso País, tal como se depreendeu das apresentações de Ricardo Carvalho e José António Bandeirinha. Se o primeiro salientou o trabalho do arquitecto na qualificação do ambiente construído, excluindo qualquer papel subversivo da disciplina e exigindo mais responsabilidade aos poderes públicos; o segundo fez a apologia do programa revolucionário SAAL e do “distanciamento” do arquitecto, tal como preconizado por Siza, criticando indiscriminadamente as actuais abordagens informais, que definiu como miméticas e estetizantes. Em ambos se revela uma posição de resistência ancorada no legado moderno da disciplina e centrada na reafirmação da autonomia e autoridade do arquitecto-autor, algo que, perante a actual condição profissional, não deixa de evidenciar traços delirantes.
     Em segundo lugar, revelou-se uma nostalgia das modernas promessas ideológicas incumpridas, na sua relação mais participada com o meio vivencial. Jorge Mario Jáuregui afirmou a responsabilidade social do arquitecto e a consequente necessidade de intervir nas áreas massivas de urbanização difusa e informal, que dominam as grandes metrópoles mundiais. Já Monique Eleb defendeu uma atenção disciplinar às práticas de apropriação dos grandes conjuntos habitacionais de raiz moderna, valorizando o papel activo dos habitantes na configuração do espaço vivencial. Finalmente, Reinhold Martin analisou as práticas de reabilitação urbana no contexto da recente crise habitacional norte-americana, evidenciando todo o seu contexto económico, social e político. Em todos estes protagonistas, existe um forte reinvestimento nas bases ideológicas da Arquitectura moderna, ao mesmo tempo que se questiona a autoridade absoluta do arquitecto. Inversamente às referidas apresentações portuguesas, o arquitecto-autor foi aqui a figura ausente, o que pode ser interpretado como um desfasamento delirante.
     Mas a presença do zeitgeist manifestar-se-ia nas conferências principalmente pela via que denominámos delirante. Não que o tema do “delirante” e, por extensão, o do “esquizofrénico” sejam propriamente recentes. Se o “esquizofrénico” adquiriu uma relevância teórica, ainda hoje não compreendida no seu verdadeiro alcance, na liminar associação estrutural e criativa entre “capitalismo e esquizofrenia”, realizadas por Deleuze e Guattari no início da década de 1970, o “delirante” assumiu uma tonalidade vincadamente arquitectónica, desde a sua utilização em 1978 por Koolhaas em Delirious New York, na proposta de associação explosiva e imprevisível entre a nova arquitectura e a emergência da cultura metropolitana. Diria que a actualidade desta questão estará no levar ao extremo as tensões em jogo. Como numa situação limite prestes a implodir perante a acumulação de ambiguidade, contradição, ironia, senão mesmo cinismo e negatividade, que estamos em crer faria corar o próprio Venturi.
     Por outro lado, o delírio não pode ser aqui entendido meramente como um escape à realidade. Poder-se-ia dizer que, inversamente, este é hoje um modo de acompanhar a própria evolução do mundo contemporâneo. Pensemos no Dubai, na China ou mesmo em Angola. Olhemos para o Ordos, Masdar ou, por que não, para o nosso Bom-Sucesso Resort. Num certo sentido, o delirante já não é somente uma fuga ao real, tornou-se o próprio real. O que para nós arquitectos acaba por não ser nada de novo. Corrosivamente, Koolhaas afirmava em Delirious New York que, tendo em conta a modernidade arquitectónica, a arquitectura era “inevitavelmente uma forma de actividade paranóico-crítica”, equivalente à “imposição no mundo de estruturas que nunca foram solicitadas e que existem previamente apenas como nebulosas de conjecturas nas mentes dos seus criadores”. Diria, um pouco em desvario, que simplesmente agora as sociedades estão mais sintonizadas no comprimento de onda dos arquitectos.
     É no âmbito desta condição dita delirante das sociedades tardo-capitalistas que podemos enquadrar algumas das propostas mais estimulantes apresentadas nas conferências. Em primeiro lugar, uma abordagem delirante aos processos comunicativos e formativos na sua relação com o espaço público. Desde logo, Jeffrey Inaba, um dos editores da excêntrica revista Volume, demonstrou que a comunicação não pode deixar de acompanhar a natureza da condição actual da arquitectura na sua relação com o mundo, explorando formas extremas de investigação e debate disciplinar. Assim, perante a esquizofrenia dos tempos, a participação no espaço público só pode passar pelo potencial de uma intervenção limite criticamente produtiva. O ausente Markus Miessen, do qual foi lido um texto, questionou radicalmente as concepções da participação em arquitectura, defendendo a urgência de uma concepção “conflitual” que ponha em causa as dominantes perspectivas consensuais, assentes numa ilusória ideia de “inclusão” e “compromisso”. Miessen encontra por isso na produção intencional de tensão e conflito nos processos participativos não um mero obstáculo ao consenso, mas uma forma de revelação das estruturas de poder em jogo e de negociação mais livre e actuante entre intervenientes. Sarah Whiting transporia estas questões disciplinares reactivamente críticas para o domínio mais específico do ensino e da pedagogia.
     Em segundo lugar, manifestou-se uma aproximação delirante à experiência espacial como campo de activação política, investindo na relação perceptiva com o meio arquitectónico. Andrea Cavalletti falou do poder “energético” e do “dispositivo hipnótico” na arquitectura das sociedades do espectáculo, reiterando a necessidade política e social premente de quebrar o feitiço. Num sentido próximo, o ex-curador do Pompidou, Allain Guilleux, criticou a dimensão sedutora do globalizado life-style contemporâneo, propondo um investimento crítico nos próprios dispositivos técnicos e mediáticos que estão na sua origem. De uma outra forma, Jonathan Hill explanou a ideia de uma “arquitectura climática”, a partir de um paralelo entre o arquitecto John Soane e o pintor William Turner, para desvelar, embora sem concretizar, o potencial político inerente à atmosfera ambiental. Finalmente, Philippe Rahm haveria de levar ao limite a ideia de controlo do meio ambiente com as suas “tipologias meteorológicas”, localizadas algures entre a resposta pragmática à legislação e a subversão crítica da disciplina. Este conjunto de apresentações indicou que o campo da percepção e da experiência espacial se pode apresentar hoje como área estratégica de conexão entre arquitectura e política.
     No entanto, é preciso dizer que estas perspectivas mais delirantes não deixaram de revelar o seu substrato de nostalgia. Foi uma constante a referência às práticas críticas e subversivas das décadas de 1960 e 70. Se Inaba expressara o seu fascínio pelo fenómeno da “contracultura”, Cavalletti e Guilleux tinham convocado nos seus discursos as práticas situacionistas e a figura de Debord. De resto, esta dimensão nostálgica seria marcada pelo vídeo de Yona Friedman, protagonista fundamental desse período histórico, que nos mostrou uma análise utópica, mas sensível e pertinente, da condição urbana contemporânea.
     Mas esta referenciação histórica também se faria sentir por via indirecta. O projecto mega-estrutural a simple heart, apresentado por Pier Vittorio Aureli, acusou a sua genealogia nos radicais italianos Superstudio e Archizoom, trazendo à superfície a interiorização da dimensão crítica na própria proposta arquitectónica. Mas seria Santiago Cirugeda, com uma apresentação que rompeu com a formalidade académica da conferência, que revelaria a abordagem mais surpreendente, remetendo para um plano secundário essa filiação nas tendências arquitectónicas activistas da segunda metade do século passado. Acima de tudo, o projecto Camiones, Contenedores y Colectivos mostrou as possibilidades latentes de novas formas de actividade social e culturalmente interventiva, assente em lógicas desenvolvidas em rede e práticas open source, que exploram deliberadamente os interstícios legais e regulamentares. Mas o que se torna aqui prometedor para repensar radicalmente a arquitectura como “acto político” é não só o apelo a uma criatividade colectiva e informal, mas os resultados efectivos que o projecto tem tido, com uma série de propostas realizadas desde a Península Ibérica até à América Latina. Porém, contrastando com a adesão entusiasta do público, esta apresentação foi recebida com muitas reservas e frieza por parte de outros conferencistas, o que se pode justificar pelo receio de se poder assistir à abertura da caixa de Pandora.
     A interrogação da relação contemporânea entre arquitectura e política, lançada pelas conferências, teria um epílogo poucos dias depois com a conferência de Herzog & de Meuron que fecharia oficialmente a Trienal de Arquitectura 2010. Um momento relevante porque os arquitectos do star-system internacional, dos quais Herzog & de Meuron serão certamente um dos expoentes mais bem sucedidos e respeitados, foram os fantasmas ou inimigos subentendidos que acompanharam silenciosamente todo o decorrer de Architecture [in] ]out[ Politics. Se o OMA de Koolhaas tem explorado a dimensão ideológica da arquitectura investindo na relação do programa com a realidade contemporânea, Herzog & de Meuron parecem ter as condições ideais para levar a cabo essa mesma investigação política a partir da própria experiência perceptiva e sensorial do espaço arquitectónico. No entanto, tendo em conta que ambas as perspectivas atravessaram as conferências, e ao contrário do que acontece com Koolhaas, a dupla suíça esquiva-se a assumir esse papel. Em entrevista ao Público, quando lhes foi perguntado se a arquitectura não teria um papel no desenvolvimento de ideias de democracia, Herzog laconicamente respondia: “A arquitectura é apenas arquitectura.” |


VER destaque 2 #236
VER destaque 1 #236
VER destaque 3 #236
VER destaque 2 #237
VER destaque 1 #237
VER destaque 2 #238
VER destaque 1 #238
VER destaque 3 #238
VER destaque 2 #239
VER destaque 1 #239
VER destaque 2 #240
VER destaque 1 #240
VER destaque 2 #241
VER destaque 1 #241
VER destaque 3 #241
VER destaque 2 #244
VER destaque 1 #244
VER destaque 3 #244
 FOLHEAR REVISTA